“Presidente Jair Bolsonaro, por que sua mulher recebeu 89.000 reais do Queiroz?” Foi essa pergunta de um repórter do jornal O Globo que provocou a reação do presidente Jair Bolsonaro (de que queria encher a boca do jornalista de porrada) e na sequência uma comoção de apoio ao jornalista nas redes, com mais de um milhão de tuítes replicando a mesma pergunta segundo levantamento do professor e pesquisador de ciências de dados, Fabio Malini.
Não é de hoje que a imprensa vem sofrendo ameaças físicas e ataques orquestrados nas redes sociais. No entanto, as agressões desse Governo e de seus aliados mudaram a situação de patamar. Um dos casos mais graves é o da jornalista Patrícia Campos Mello (Folha de S.Paulo), vítima de uma série de ataques nas redes depois de publicar uma reportagem sobre disparos em massa no WhatsApp em favor do então candidato Bolsonaro. Os detalhes da ofensiva estão relatados no livro A Máquina do Ódio — Notas de uma repórter sobre fake news e violência digital. Há inúmeros outros.
A repórter Constança Rezende, hoje no UOL, foi vítima de uma orquestração feita por um falso estudante que a entrevistou para uma suposta pesquisa acadêmica e deturpou sua fala. Foi massacrada nas redes. Houve ainda casos de agressão física. Dida Sampaio, fotógrafo do Estadão, apanhou de bolsonaristas numa das manifestações em apoio ao presidente. Na última semana, foi a vez da Agência Lupa sofrer uma campanha coordenada de desinformação com viés homofóbico.
Levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas, divulgado em 2 de julho, registra 245 ocorrências de janeiro a junho de 2020 de agressões de Jair Bolsonaro contra jornalistas. Desse total, 211 foram categorizadas como descredibilização da imprensa, 32 ataques pessoais a jornalistas e dois ataques contra a federação.
Para a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Bolsonaro tem responsabilidade sobre esses ataques, à medida que incita a violência contra jornalistas de diferentes maneiras.
Uma das táticas mais usadas pelo presidente para tentar enfraquecer ou silenciar a imprensa é falar no jornalista como produtor de fake news. Essa visão equivocada do que é o jornalismo foi disseminada por Donald Trump, o mais poderoso dos populistas autocratas mundo afora. Mas rapidamente intimidar e vilipendiar a imprensa tornou-se um fenômeno global.
Acontece que se uma informação é falsa, ela não é notícia. Por causa desta pegadinha do termo, qualquer pessoa que é alvo de uma notícia negativa, ainda que seja verdadeira, chama de fake news aquilo que precisa negar, mesmo que tudo esteja absolutamente correto. Quantos políticos você já não viu negar fatos chamando-os de fake news?
Sempre será mais fácil agredir a imprensa ou um repórter no lugar de respondê-los. Ou mesmo fingir que os fatos não existem ao invés de explicá-los. Entender que o jornalista, mesmo quando erra, não é autor de uma fake news é fundamental para a sociedade nesse momento que vivemos.
E por que jornalismo com erro não é fake news? A exemplo dos médicos, dos engenheiros, dos professores e de qualquer outro profissional, jornalistas também erram. Mas mesmo o erro do jornalismo não pode ser chamado de fake news, porque também não são sinônimos. O jornalismo tem mecanismos próprios ou jurídicos —o direito de resposta, assegurado pela Lei 13.188— para consertar uma informação errada. O leitor sempre sabe quem fez uma reportagem jornalística, seja pela identificação do veículo em que ela foi publicada, seja pelo jornalista que a assina. Já o autor de uma fake news quase sempre se esconde no anonimato. Precisamos cobrar jornalistas por qualquer informação errada, mas não podemos contribuir para confundir ainda mais as pessoas.
Sempre bom lembrar que o trabalho do repórter, como atestam os mestres da reportagem e autores do caso Watergate Carl Bernstein e Bob Woodward, é divulgar a melhor versão possível da verdade. Ainda mais agora em que contexto e nuances nunca foram tão importantes.
Precisamos ter em mente que não há como combater a desinformação sem promover a informação de qualidade e isso passa por proteger aqueles que as produzem. #porradanaonoscala
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Prestar solidariedade nas redes sociais e publicar notas de repúdio, apesar de bem-vindas, estão longe de resolver o problema. As redações precisam assumir seu papel na proteção online de seus jornalistas. Se os ataques são organizados, as respostas a eles também precisam ser.