Oito iniciativas para inspirar o combate à desinformação em 2021
Clara Becker
eGabriela de Almeida
Até o fechamento desta coluna, o Brasil registrava 208.878 mortos por Covid-19. No mundo, mais de um milhão e oitocentas mil pessoas morreram em decorrência da doença. O coronavírus trouxe uma série de preocupações do ponto de vista sanitário e socioeconômico, e acelerou o debate em torno da gravidade no compartilhamento de conteúdos enganosos. Em meio à maior pandemia da história, muitas informações mentirosas contribuíram para que tenhamos atualmente um número tão alto de vítimas da doença. Remédios caseiros, curas milagrosas, orientações sem fundamento, ataques à imprensa, mentiras sobre o combate à pandemia, boatos sobre a origem do vírus, os efeitos e os tratamentos. Tudo isso tornou mais importante do que nunca o acesso a informação segura e confiável.
Mas não existe bala de prata contra as fake news. Problemas complexos exigem abordagens multidisciplinares. Muitas iniciativas de combate à desinformação foram criadas ou impulsionadas no decorrer de 2020 e, no lançamento de nosso novo site, nos dedicaremos a relembrar algumas delas para incentivar que boas práticas como essas se multipliquem. São ações que, sozinhas, não resolvem o problema, mas representam avanços para se chegar à solução da desordem global de informação.
Sleeping Giants Brasil
Criado nos Estados Unidos para desmonetizar o site de extrema-direita de Steve Bannon, o grande nome por trás da vitoriosa campanha de Donald Trump, em 2016, o Sleeping Giants virou inspiração para Leonardo de Carvalho e Mayara Stelle, um casal paranaense de 22 anos que em maio decidiu recriar no Brasil a operação americana: convocar publicamente grandes empresas a deixarem de financiar desinformação ao não permitirem que os seus anúncios apareçam, via Google Adsense, em publicações ou sites criados com o intuito de causar engano. O casal afirma que 700 empresas já seguiram seus alertas e retiraram seus anúncios de sites duvidosos.
Lei contra as fake news
Proposto pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania), o Projeto de Lei 2.630/20, também conhecido como Lei das Fake News, ganhou grande repercussão, especialmente entre especialistas em desinformação, tecnologia, direito e entre parlamentares. O projeto ainda merece um debate mais amplo com a sociedade civil, mas traz como linhas gerais a aplicação de um programa de boas práticas a partir de “medidas adequadas e proporcionais no combate ao comportamento inautêntico e na transparência sobre conteúdos pagos”. A chegada da proposta se soma a outras iniciativas semelhantes, mas esbarra em questões técnicas, relativas à arquitetura das plataformas, e em uma possível violação à liberdade de expressão. O Senado já aprovou o PL e o texto agora aguarda análise da Câmara dos Deputados, onde a expectativa é que seja melhorado.
Programa de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral
Depois de um processo eleitoral pra lá de turbulento em 2018, dominado por muita desinformação, o TSE se mobilizou de forma mais intensa em 2020 para buscar alternativas eficazes para enfrentar a avalanche de mentiras que viriam a surgir. Neste ano, o Tribunal reforçou sua parceria com agências de checagem e se uniu ao WhatsApp para frear comportamentos inautênticos. Com o aplicativo de mensagens, o TSE lançou um chatbot para facilitar o acesso do eleitor a informações relevantes sobre as eleições municipais e criou também um canal de comunicação específico para denunciar contas suspeitas de realizar disparos em massa. O Tribunal investiu ainda em educação midiática, capacitando os servidores dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) a formas de como combater a desinformação nas plataformas digitais.
WhatsApp
Uma das plataformas mais utilizadas quando o assunto é desinformação, o WhatsApp fez alterações importantes no decorrer do ano. A empresa criou etiquetas para identificar mensagens encaminhadas e mensagens encaminhadas com frequência e passou a oferecer a partir de uma lupa um modo mais rápido e prático de como verificar na internet a veracidade de mensagens encaminhadas com frequência. A plataforma se uniu à Aliança Internacional de Checagem de Fatos (IFCN) para disponibilizar checagem de fatos diretamente no aplicativo e fez campanhas educativas para incentivar os usuários a avaliarem as mensagens recebidas e a verificarem os fatos por meio de fontes oficiais confiáveis.
Instagram
Para combater as fake news sobre o novo coronavírus, o Instagram fixou no campo de busca uma categoria intitulada “Enfrentamento da Covid-19”, em que colocou os perfis do Ministério da Saúde e do Unicef Brasil, para que os usuários possam ter acesso fácil a informações seguras. Ao buscar por hashtags que envolvam vacina, o usuário vê uma mensagem que sinaliza a importância do acesso ao site da Organização Mundial da Saúde (OMS), com link direto à página, informando que esse é o canal mais completo para quem busca informações confiáveis e atualizadas sobre vacinas.
Nações Unidas
E por falar em UNICEF, as agências das Nações Unidas também se engajaram no combate à desinformação. O próprio Fundo das Nações Unidas para a Infância criou no início do ano o #tmjUNICEF, um programa de voluntariado digital que mobilizou mais de dois mil jovens de diferentes partes do Brasil no enfrentamento à desinformação sobre a Covid-19, com a criação de um glossário regional com os termos relacionados ao coronavírus e de um chatbot para tirar dúvidas sobre sintomas, tratamentos, entre outras informações úteis. Um projeto bem interessante que surgiu recentemente também foi a websérie #SóQueNão, uma parceria da ONU e da Agência Lupa para desmentir informações falsas sobre a Covid-19. A iniciativa faz parte da campanha PAUSE, ação global da ONU que combate conteúdos enganosos sobre o coronavírus.
Twitter
Em 2020, o Twitter passou a rotular publicações duvidosas de Donald Trump como “mídia manipulada”, “glorificação da violência” e, em casos mais extremos, chegou a remover tuítes do presidente dos Estados Unidos da plataforma, movimento que gerou uma repercussão mundial e passou a expor grandes influenciadores que usavam a rede para disseminar desinformação e discurso de ódio. Recentemente a plataforma se pronunciou a respeito do crescente aumento de desinformação sobre vacinas e prometeu intensificar o monitoramento na rede. De acordo com anúncio da empresa, o Twitter priorizará a remoção de informações enganosas que possam causar dano e, durante as próximas semanas, começará a rotular os tuítes que contenham informações potencialmente enganosas sobre as vacinas.
Science Pulse
Em um ano em que, inacreditavelmente, a ciência foi colocada em xeque por diversas vezes, grupos de pesquisadores se mobilizaram para mostrar à sociedade a importância da pesquisa, especialmente no combate a uma crise sanitária mundial. Foi aí que surgiu o Science Pulse, uma ferramenta criada para acompanhar o debate de ciência nas redes sociais. O projeto foi concebido para ajudar a ampliar a voz de cientistas e especialistas que estão comprometidos com informações seguras, sendo uma forma de aumentar o conhecimento da população e eliminar os ruídos espalhados pela desinformação.
Agentes da Informação
Como forma de buscar soluções para frear o avanço de conteúdos enganosos sobre saúde, o Redes Cordiais, startup de educação midiática em que atuam as autoras desta coluna, desenvolveu durante o ano o Agentes da Informação, projeto que capacitou de forma on-line e gratuita lideranças e agentes comunitários de saúde para atuarem no enfrentamento à desinformação sobre o coronavírus e ao discurso de ódio. Integrantes da linha de frente do combate ao coronavírus, esses grupos formados por mais de 300 profissionais se tornaram aliados do Redes Cordiais como propagadores de informação de qualidade.
Essas são apenas algumas iniciativas que se destacaram em 2020. Para 2021, ano que já começou desafiador, com uma avalanche de desinformação sobre vacinas circulando de forma intensa, desejamos que possamos criar e impulsionar mais maneiras criativas de enfrentar as fake news!
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