Há muito as big techs como Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e TikTok patinam para combater desinformação, discursos de ódio e eliminar conteúdos tóxicos de suas redes. Sabemos que o desafio é hercúleo e não será da noite para o dia que as redes sociais vão se tornar um ambiente saudável e seguro para todos. Mas, enquanto as empresas de tecnologia não aperfeiçoam a moderação de conteúdo e governos não estabelecem regulamentações, os usuários únicos têm revelado um poder que não pode ser subestimado. Nem para o bem, nem para o mal.
Os seguidores dos jogadores de futebol ingleses Marcus Rashford, Jadon Sancho e Bukayo Saka são um bom exemplo disso. Após a derrota da seleção da Inglaterra para a Itália na final da Eurocopa, no mês passado, os três jogadores negros foram alvo de ataques racistas nas redes sociais. Fato que não surpreende considerando a dinâmica atual na internet. A surpresa veio na resposta rápida e na eficácia do combate ao racismo virtual por parte dos fãs dos atletas.
De acordo com reportagem do site de jornalismo Vox, dezenas de milhares de internautas imediatamente se puseram a responder os comentários racistas e postar conteúdos positivos nas contas pessoais dos jogadores. Em menos de 24 horas, as mensagens positivas ultrapassaram em muito as negativas. Além disso, também houve uma mobilização para que os conteúdos racistas fossem devidamente denunciados. Ainda que posteriormente as plataformas tenham removido a maior parte dos discursos de ódio, foram os usuários e não elas que conseguiram dar uma resposta rápida e estancar o chorume tóxico que se alastrava.
No Brasil, as diversas reviravoltas sofridas pelo DJ Ivis na internet também mostram o poder de influência do seguidor. O músico, hoje mais conhecido pelas cenas chocantes de agressão contra a sua então mulher Pamella Holanda, somava 723.000 seguidores na sua conta no Instagram quando as imagens de violência vieram à tona, no dia 10 de julho. Três dias após a polêmica, DJ Ivis somava 984.000 seguidores. Talvez movidos por uma curiosidade mórbida, internautas estavam de certa forma recompensando as atitudes criminosas do DJ. Foi apenas quando ativistas pelos direitos das mulheres e algumas artistas se mobilizaram que a audiência começou a cair. O DJ chegou a perder 40.000 seguidores em menos de 24 horas. Hoje, ele soma 972.000 seguidores. Um saldo equivocadamente positivo para o caso que levou o músico para cadeia.
A pressão nos patrocinadores, bandeira levantada principalmente pelo Sleeping Giants, também surtiu efeito. Os principais serviços de streaming pagos de música, Spotify e Deezer, tiraram todas as músicas com o DJ Ivis de suas playlists editoriais. Emissoras de rádio do Ceará emitiram notas de repúdio contra o cantor e informaram que não reproduzirão mais as músicas com participação do artista. O produtor musical foi demitido do escritório Vybbe e todos os lançamentos que o envolviam foram cancelados.
Ainda assim, na terça-feira (20/07), uma faixa de sua autoria alcançou o primeiro lugar da playlist Top Viral Brasil, do Spotify, segundo noticiado pela coluna de Leo Dias. A música Rolê, de Ivis, foi gravada por Marcynho Sensação e registrada no Spotify sem os créditos de composição e de produção musical do DJ, mas é dele. O sucesso de Rolê vem na esteira da viralização de músicas através de coreografias nas redes sociais. Ou seja, mesmo preso o DJ segue faturando com cliques de internautas, muitos provavelmente desavisados. É verdade também que várias pessoas podem considerar que a arte do DJ Ivis não deve necessariamente ser penalizada pelos atos ilegais e imorais do artista, mas é importante que os internautas tenham informação para fazer esse julgamento.
São dois incidentes que nos atentam para a crescente capacidade — e consequente responsabilidade — dos próprios internautas influenciarem o desfecho das narrativas que circulam nas redes sociais. Não deixa de ser uma discussão sobre consumo responsável, tanto no caso de contribuir para limpar as redes de conteúdos racistas, como de saber se alguém quer remunerar uma pessoa associada a atos violentos e misóginos.
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Prestar solidariedade nas redes sociais e publicar notas de repúdio, apesar de bem-vindas, estão longe de resolver o problema. As redações precisam assumir seu papel na proteção online de seus jornalistas. Se os ataques são organizados, as respostas a eles também precisam ser.
As redes sociais deveriam nos ajudar a fazer uma leitura melhor do mundo, comunicar seus problemas e formas de melhorá-los